sexta-feira, 23 de maio de 2025

Bonecas em Lugar de Gente - A Epidemia Reborn

 


Por Diego de Almeida.

Bonecas em Lugar de Gente: Um Sintoma do Adoecimento Emocional da Sociedade Contemporânea

Vivemos tempos estranhos. Em meio a avanços tecnológicos extraordinários e debates complexos sobre o futuro da humanidade, uma tendência tem chamado a atenção pelo seu caráter sintomático e, por que não dizer, alarmante: o crescente número de mulheres adultas que adotam bebês reborn — bonecas hiper-realistas que simulam recém-nascidos — como se fossem filhos reais. Mais do que uma simples curiosidade ou hobby inofensivo, esse fenômeno merece uma reflexão profunda sobre o estágio emocional da sociedade e sobre o que estamos fazendo (ou deixando de fazer) em relação à evolução e preservação da humanidade.

Os bebês reborn surgiram, inicialmente, como instrumentos terapêuticos para mulheres que enfrentaram perdas gestacionais ou traumas relacionados à maternidade. No entanto, com o tempo, o uso dessas bonecas ultrapassou o campo da terapia e passou a ocupar um espaço simbólico: o da substituição da maternidade real por uma maternidade simulada, estéril, estética e controlável. A mulher que escolhe "criar" um boneco ao invés de investir no desenvolvimento de uma criança real — seja por meio da maternidade biológica, adoção ou ação comunitária — opta, conscientemente ou não, por se desconectar do compromisso fundamental com a continuidade da espécie e com a formação de novas gerações.

Essa escolha pode ser vista como uma metáfora perturbadora de um tempo em que a conveniência e a negação da dor substituem o enfrentamento dos desafios reais da vida. Afinal, um boneco não chora de verdade, não adoece, não tem vontades próprias e, sobretudo, não cresce. Criar um boneco é manter-se em um ciclo estagnado, que serve ao ego e não à coletividade. É a maternidade sem o outro, sem o futuro, sem responsabilidade.

Mais do que uma questão individual, o culto ao reborn escancara uma patologia social maior: a infantilização das emoções na vida adulta. Estamos diante de uma geração emocionalmente frágil, cada vez menos preparada para lidar com a frustração, a perda, o conflito e a alteridade. Há uma busca desesperada por controle e previsibilidade em um mundo caótico — e os bebês reborn simbolizam esse desejo inconsciente de retornar ao útero psicológico da segurança absoluta.

Essa imaturidade emocional, além de limitar o desenvolvimento pessoal, impacta negativamente na saúde coletiva. Uma sociedade que prefere bonecas a crianças, avatares a pessoas reais, relações idealizadas a vínculos autênticos, está adoecendo — e rápido. A empatia, a resiliência e o compromisso com o outro estão sendo trocados por simulacros de afeto que apenas retroalimentam o vazio existencial.

O ser humano é, por excelência, um animal que projeta o futuro. Tudo o que construímos enquanto civilização — desde ferramentas até valores morais — tem como finalidade a preservação e o aprimoramento da vida. Ao optar por não gerar, não educar e não se responsabilizar por novas vidas, há um rompimento com esse pacto civilizatório. Não se trata aqui de uma defesa cega da maternidade biológica, mas da crítica à substituição do compromisso humano por versões artificiais e narcisistas da experiência humana.

Estamos diante de uma geração que, muitas vezes, prefere cuidar de bonecos a envolver-se na complexidade da criação de crianças reais, contribuindo assim para um mundo onde a reprodução simbólica substitui a reprodução biológica, e o afeto simulado eclipsa a construção de vínculos genuínos.

Conclusão: precisamos falar sobre humanidade

A epidemia silenciosa das “mães de reborn” não é uma moda excêntrica, mas um alerta: estamos perdendo o sentido de pertencimento à coletividade e ao tempo. A humanidade não sobrevive de bonecas, de fantasias, de negações. A humanidade se preserva com vínculos verdadeiros, com a coragem de enfrentar a dor, com a responsabilidade de gerar, cuidar, ensinar — mesmo diante do caos.

É tempo de acordar do delírio emocional que nos mantém infantilizados e de retomar o compromisso com o que há de mais nobre em nossa condição: o de criar gente, não bonecos. O de cuidar do futuro, não apenas de nossas próprias carências.


Um comentário:

  1. É exatamente o que penso, algumas mulheres querem a parte boa da maternidade,nada substitui a emoção de saber que vc gerou uma vida,e saber que um pedaço de você vive em outro alguém não tem preço,mais uma moda logo passa, mas espero que não deixe cicatrizes profundas

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