quarta-feira, 21 de maio de 2025

Do Feminismo da Dignidade à Vulgarização da Imagem Feminina

 


Por Diego de Almeida

Do Feminismo da Dignidade à Vulgarização da Imagem Feminina: Um Olhar Crítico sobre os Rumos da Luta das Mulheres

No século XIX, o feminismo emergiu como uma necessidade urgente diante das gritantes desigualdades entre homens e mulheres. Era uma época em que as mulheres sequer podiam votar, tinham acesso restrito à educação formal, eram excluídas das universidades e tinham sua existência jurídica atrelada à figura masculina — pai, marido ou tutor. Lutavam por direitos elementares: a autonomia sobre seus corpos, a possibilidade de estudar, trabalhar, opinar e decidir os rumos da própria vida.

Figuras como Mary Wollstonecraft, autora do clássico A Vindication of the Rights of Woman (1792), foram pioneiras ao defender que as mulheres deveriam ter acesso à mesma educação que os homens para poderem ser cidadãs plenas. Elizabeth Cady Stanton, nos Estados Unidos, organizou a histórica Convenção de Seneca Falls em 1848, considerado o marco do feminismo moderno. Na França do século XIX, Maria Deraismes, escritora, jornalista e ativista francesa destacou-se por sua defesa incansável dos direitos civis das mulheres e da laicidade do Estado. Deraismes foi uma das primeiras mulheres a lutar abertamente pela igualdade jurídica e educacional entre os sexos, e seu ativismo ultrapassava as barreiras políticas e religiosas. Em 1882, ela fez história ao tornar-se a primeira mulher iniciada em uma loja maçônica na França, desafiando normas estritamente masculinas da época. Seu engajamento combinava razão, moral e ética, promovendo uma visão do feminismo fundamentada na dignidade, no conhecimento e na justiça social — um contraste marcante com parte das expressões contemporâneas do feminismo, que por vezes sacrificam esses valores em nome da exposição ou da provocação. 

No Brasil, Nísia Floresta escrevia e publicava textos em defesa da instrução feminina e da liberdade civil das mulheres, enfrentando preconceitos em um país ainda escravocrata e patriarcal.

Esse feminismo original estava profundamente ligado à dignidade humana. A mulher exigia ser tratada como sujeito moral, racional, dotado de inteligência e consciência — alguém que não queria apenas “ser livre para fazer o que quiser”, mas ser reconhecida como parte ativa da sociedade. O corpo feminino, nesse contexto, era algo a ser respeitado, e não explorado como mercadoria.

Contudo, ao olharmos para algumas expressões atuais do chamado “feminismo contemporâneo”, especialmente na indústria cultural e de entretenimento, parece que houve uma inversão preocupante. A bandeira do empoderamento feminino tem sido frequentemente usada como justificativa para a exposição excessiva do corpo, para a vulgarização da sexualidade e, em alguns casos, para o cultivo de uma imagem de superioridade feminina mascarada de liberdade.

Artistas como Anitta, Cardi B, Megan Thee Stallion e outras representantes do chamado “feminismo pop” têm influenciado milhões de jovens ao redor do mundo. Suas músicas e apresentações trazem coreografias explicitamente sensuais, letras que exaltam a objetificação do corpo e discursos que confundem liberdade com libertinagem. Em um clipe recente, Anitta aparece em trajes mínimos em um contexto altamente sexualizado, cantando versos que, em vez de promover reflexão ou autoestima, reduzem a figura feminina à sua função sexual e ao poder que isso pode exercer sobre os homens.

É inegável que cada mulher deve ter o direito de se expressar como quiser, e não se trata aqui de moralismo ou de controle sobre o corpo alheio. No entanto, é necessário refletir: a hipersexualização da mulher na mídia, vendida como forma de empoderamento, de fato contribui para a valorização feminina? Ou estamos diante de uma nova forma de submissão, agora moldada pelo consumo e pelo desejo do mercado?

A publicidade, a música e as redes sociais se alimentam dessa imagem da mulher como “livre, sensual e dominante”. Mas, paradoxalmente, ela ainda continua sendo explorada — agora por si mesma, muitas vezes de forma inconsciente, em troca de likes, engajamento e capital simbólico. A mulher que antes era oprimida por um sistema patriarcal, hoje corre o risco de se tornar cúmplice de sua própria objetificação.

Enquanto isso, as verdadeiras batalhas femininas — como a desigualdade salarial, a violência doméstica, o assédio no ambiente de trabalho, a dificuldade de conciliar maternidade com carreira e o acesso à saúde de qualidade — continuam sendo desafios reais enfrentados por milhões de mulheres no mundo todo, especialmente aquelas que não têm acesso a palco, fama ou visibilidade.

O feminismo precisa resgatar sua profundidade. Liberdade não pode significar apenas fazer o que se quer sem considerar as consequências sociais e morais dos próprios atos. Empoderar-se não é apenas expor o corpo, mas conquistar espaço intelectual, autonomia financeira, equilíbrio emocional e contribuir para uma sociedade mais justa para todos — homens e mulheres.

Mulheres como Malala Yousafzai, que defende o direito das meninas à educação, ou a iraniana Masih Alinejad, que luta contra a obrigatoriedade do uso do véu em regimes opressores, são exemplos atuais de um feminismo que continua honrando as raízes do século XIX: corajoso, sério e centrado na dignidade da mulher enquanto ser humano completo.

Não se trata de negar os avanços ou criminalizar a liberdade de expressão. Trata-se, sim, de questionar os caminhos tomados por uma narrativa que, em nome do “empoderamento”, tem promovido uma nova forma de submissão — agora disfarçada de escolha.

O corpo feminino deve ser respeitado, não explorado. A imagem da mulher deve ser elevada, não vendida. O verdadeiro empoderamento feminino deve conduzir à plenitude e não à performance vazia de sentido. Se quisermos construir um mundo mais justo e equilibrado, é hora de resgatar o verdadeiro espírito do feminismo: aquele que valoriza, educa, constrói e liberta com responsabilidade.




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