Festas Juninas, Solstício e Maçonaria: Um Encontro de Tradições Ancestrais
As festas juninas, celebradas principalmente no mês de junho, têm raízes profundas que atravessam as fronteiras do tempo, misturando tradições pagãs, adaptações cristãs e simbolismos esotéricos presentes na Maçonaria. Em meio à dança das fogueiras, aos cânticos populares e à celebração dos santos católicos, encontram-se marcas de um passado mais remoto, vinculado aos ciclos da natureza e aos rituais solares que marcaram diversas civilizações antigas.
O Solstício de Verão e as Tradições Pagãs
O dia 24 de junho, quando se celebra São João Batista, coincide com o período do solstício de verão no hemisfério norte — o dia mais longo do ano, em que o Sol atinge o ponto mais alto no céu. Entre os povos antigos, esse fenômeno astronômico era celebrado com rituais que homenageavam o astro-rei, invocando fertilidade, prosperidade e a renovação da vida. Celtas, escandinavos, romanos e muitos outros acendiam fogueiras em colinas, dançavam em volta do fogo e realizavam cerimônias que marcavam a união entre o humano e o cósmico. Era, sobretudo, uma festa da luz, do calor e da abundância.
A Adaptação pela Igreja Católica
Com a cristianização da Europa, a Igreja Católica, em seu processo de conversão dos povos pagãos, incorporou muitos desses rituais às suas festas litúrgicas. Assim, o solstício de verão foi cristianizado como a Natividade de São João Batista. Curiosamente, João Batista é um dos únicos santos cujo nascimento é celebrado — e não a morte —, marcando sua importância singular dentro do calendário cristão. De acordo com o Evangelho de Lucas (Lc 1:36), João teria nascido seis meses antes de Jesus, o que justifica sua festa no fim de junho, enquanto o nascimento de Cristo é comemorado no solstício de inverno (Natal, em 25 de dezembro).
As fogueiras das festas de São João, portanto, mantêm viva essa tradição ancestral. Segundo a tradição cristã, Isabel, mãe de João Batista, teria acendido uma fogueira para anunciar o nascimento de seu filho à prima Maria, mãe de Jesus. Mas, sob essa versão piedosa, esconde-se uma continuidade simbólica com os cultos solares pré-cristãos.
A Maçonaria e os Santos João
A Maçonaria, como organização iniciática e simbólica, reconhece dois patronos principais: São João Batista e São João Evangelista. Ambos são celebrados em datas solsticiais: João Batista no solstício de verão (24 de junho) e João Evangelista no solstício de inverno (27 de dezembro), marcando assim os extremos do ciclo solar anual.
Essa dupla patronagem não é casual. São João Batista, o precursor, representa a luz crescente, o início da jornada, a iniciação, a purificação pela água. Ele prega no deserto, prepara o caminho, batiza. Sua figura corresponde ao nascimento simbólico do iniciado. Já São João Evangelista, o apóstolo da luz interior, da revelação espiritual, representa a plenitude, a maturidade da jornada iniciática, a iluminação pela gnose.
As Lojas Maçônicas tradicionalmente celebram o "Solstício de São João", em junho, como uma ocasião de fraternidade, renovação moral e espiritual. Essa celebração não é apenas uma homenagem religiosa, mas um rito simbólico que remonta às antigas tradições solares e à sabedoria dos mistérios antigos. Na simbologia maçônica, o Sol representa a luz do conhecimento, da verdade e da razão — valores centrais da Ordem.
Convergência de Tradições
Assim, as festas juninas brasileiras — com seus elementos de religiosidade popular, suas danças circulares, o fogo, a colheita e a comunhão — trazem em si a herança de três grandes tradições: a pagã, com sua reverência aos ciclos naturais; a cristã, com sua ressignificação dos símbolos solares sob a égide de santos; e a maçônica, que resgata esse simbolismo em um plano filosófico e iniciático.
O "maçonismo" não rejeita o legado das tradições religiosas e culturais, mas antes as compreende à luz da razão e do simbolismo. Nesse sentido, a festa de São João transcende seu caráter popular ou litúrgico e se torna uma ponte entre o passado ancestral da humanidade e o seu ideal de aperfeiçoamento contínuo.
Para os maçons, para os religiosos ou para os amantes da cultura, São João continua sendo uma figura de transição e revelação — um elo entre a tradição e a transformação. E a festa junina, no fundo, é um convite para reacender a luz dentro de nós.
Referências:
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Eliade, Mircea. O Sagrado e o Profano. Martins Fontes, 1992.
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Frazer, James. A Ramo de Ouro. Zahar, 2002.
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Pike, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. 1871.
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Bachelard, Gaston. A Psicanálise do Fogo. Martins Fontes, 1990.
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Bíblia Sagrada – Evangelho de Lucas, capítulo 1.
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Pires, José Castellani. O Simbolismo de São João na Maçonaria. Editora A Trolha.
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