terça-feira, 14 de abril de 2015

(MÁ) REMUNERAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

Texto de desabafo de uma colega médica, redigido originalmente em 2011. De lá pra cá, a situação de remuneração médica no Brasil não mudou muito. Decidi postar aqui para reflexão de todos e atualizei valores, que aparecem em itálico. 
Espero que todos possam meditar um pouco e tomar conhecimento de uma realidade que muitos ignoram.



"Prezados Colegas Médicos do Brasil;
 
Tendo em vista o piso salarial da categoria, estabelecido legalmente pela entidade representativa máxima da categoria em território nacional, venho fazer um desabafo de um colega recém-egresso da residência médica e pedir-lhes uma breve reflexão:
 
- Se ninguém recebe o valor do PISO SALARIAL, é porque alguém aceitou trabalhar por valor inferior ao mesmo;
- Um Delegado de Polícia (Civil do DF ou Federal) tem salário inicial de 15.000,00 mensais (R$ 16.830,00 em 2014);
- Um Promotor de Justiça inicia a carreira ganhando 16.000,00 por mês (R$ 21.657,29 anunciado em edital de concurso público do MP/SP de 2015);
- Um Juiz de Direito não trabalha por menos de 20.000,00 de subsídio (R$ 25.197,04 para 2015 e mais auxílios).
 
Todos esses profissionais acima estudam obrigatoriamente 5 anos de faculdade de Direito, não são obrigados a fazer residência médica, e recebem gratuitamente carro, secretária, material de escritório, sala, água, luz e telefone para exercerem suas atividades. Muitos deles tem motorista e celular funcional gratuitos, além de inúmeros outros benefícios, como aposentadoria integral, tempo reduzido de contribuição, regalias quanto a plano de saúde institucional, moradia subsidiada, etc....
 
Por que será que todas essas categorias tem tanto? Em uma única palavra: UNIÃO !!!
A Polícia Civil do DF tem os maiores salários da categoria do País, entretanto faz greve ou ameaça de greve todos os anos, sempre na época da sua data-base. Curiosamente, seu salário (ou subsídio, como preferem alguns), é reajustado religiosamente todo ano. Não por acaso, a cada 4 anos, um delegado é eleito Deputado Federal, e o mesmo tem como compromisso inadiável defender o reajuste (ou atualização) anual da remuneração de sua categoria.
 
Recebi recentemente algumas propostas RIDÍCULAS de trabalho, as quais quero citar aos nobres colegas:
1) Proposta A: Clínica de especialidades médicas, com faturamento via PJ, sobre os quais a empresa me repassaria 40% e ficaria com 60% (supostamente para cobrir custos operacionais, de faturamento, impostos, publicidade, água, luz, telefone, secretárias, material de consumo, etc...)
 
2) Proposta B: Clínica Ortopédica com nome já consolidado na cidade: ofereceu-me a quantia líquida de R$ 18,00 (isso mesmo DEZOITO REAIS) por paciente, argumentando que o outro ortopedista que trabalha lá marca um paciente a cada 5 minutos, ou seja 12 pacientes por hora, pois já conhece os casos e a maioria vai só para retorno, atestados e relatórios. Sugeriram-me ganhar no volume, atendendo 60 pacientes num período de 5 horas, o que me renderia 1080,00 por turno. Informei-lhes de que não sou tão competente quanto o colega, e que para poder realizar uma boa anamnese, exame físico completo, registro adequado no prontuário, prescrição, solicitação de exames e explicações ao paciente gasto no mínimo 20 minutos por consulta, sendo o ideal um paciente a cada meia hora, o que me permitiria atender no máximo 10 pacientes por 5 horas (ganharia penas 180,00 por turno). Agradeci a oferta. Na minha opinião o que certamente me renderia tal situação seria: 60 pacientes insatisfeitos, que sairiam de lá procurando outro profissional que pudessem ouvi-lo e trata-los com o mínimo de decência. Para ganhar 18,00 a consulta ou 36,00 a hora ganho mais em ficar estudando para prestar um melhor atendimento aos que tiverem a oportunidade de serem atendidos por mim.
 
3) Proposta C: Clínica pertencente a um Plano de Saúde: Ofereceram-me R$ 20,00 por consulta, com horário livre a minha escolha, número de pacientes conforme minha capacidade de atendimento. Apesar de um pouco melhor que a anterior, acredito ainda ser absurda. Para lavar meu carro pago 20,00 por semana a um senhor que não estudou nem a 4ª série, para cortar meu cabelo pago 30,00 uma vez por mês a um amigo que apesar de muito competente, tem agenda lotada e demora 20 minutos em seu serviço. Um prato de comida em restaurante do shopping, ou um combo sanduíche + fritas + bebida + sobremesa custa mais que 20,00. Para ter passada uma trouxa de roupa de 5 dias ou para uma faxina semanal em minha casa, pago 50,00 (ou duas consultas e meia). Sem querer menosprezar ninguém, mas nenhum deles tem uma vida, uma função ou um órgão sob sua responsabilidade. Não tem que responder perante um juiz caso seu serviço não fique a contento, muito menos deverão pagar indenizações financeiras por insatisfação do cliente.
 
4) Uma empresa de Medicina do Trabalho solicitou curriculum e pretensão salarial. Enviei o meu e disse que o valor a ser pago era no mínimo o do PISO SALARIAL da FENAM. Curiosamente ainda não me retornaram. E sinceramente, não espero que retornem. (23/01/2015 - A Federação Nacional dos Médicos (FENAM) divulgou nesta sexta-feira (23), em Brasília, o novo piso salarial dos profissionais médicos. Este ano o valor pleiteado passa a ser de R$ 11.675,94  para 20 horas semanais de trabalho. O valor é calculado anualmente, e serve para orientar as negociações coletivas da categoria.)
 
Se nossos colegas médicos se unissem, assim como fizeram os pediatras recentemente em Brasília, e NÃO ACEITASSEM trabalhar por valores vis, estaríamos certamente dando muito menos plantões noturnos e nos finais de semana, trabalharíamos menos em locais com condições precárias, seriamos muito menos desrespeitados por profissionais de outras categorias. Enfim, cabe somente a nós, MÉDICOS, termos a UNIÃO necessária para podermos.
 
Minha proposta aos MÉDICOS DO BRASIL é de recusarmos QUALQUER OFERTA DE TRABALHO que não pague o PISO SALARIAL DA FENAM ou a tabela da CBHPM.
Isso equivale a R$ 9.188,22 por 20 horas semanais; ou R$18.376,44 para 40 horas semanais. Dividindo, tal valor corresponde a R$ 107,35/hora ou seja: R$ 644,10 por turno de 6 horas; ou R$ 1.288,20 por plantão de 12 horas. (Aplicando atualização de valores para 2015: R$ 11.675,94 por 20 horas semanais; ou R$ 23.351,88 para 40 horas semanais. Dividindo, tal valor corresponde a R$ 136,40/hora ou seja: R$ 818,40 por turno de 6 horas; ou R$ 1.636,81 por plantão de 12 horas.)
 
Considerando uma média de 2 consultas bem feitas por hora, daria R$ 68,20 por consulta, um valor mínimo condizente com a tabela CBHPM.
 
A princípio parece utópico, mas se esse e-mail circular para todos os médicos do país e ninguém trabalhar por valor inferior, os empresários terão que aumentar os valores oferecidos, ou então terão que permitir que os próprios médicos faturem suas consultas diretamente, excluindo os intermediários (que são quem realmente lucram com nosso trabalho).
 
Cabe ainda aos CRM´s e Sindicatos dos Médicos do Brasil fiscalizar a remuneração oferecida, não permitindo que tais valores incrivelmente reduzidos obriguem nossos colegas a ter que literalmente "tocar fichas", o que reduz o tempo de consulta, prejudica o exercício ético da medicina e aumenta a chance de erros por parte dos profissionais." 
Enviado por Perito Médica Dra. Tiana G. Gusmão