sexta-feira, 17 de julho de 2015

ONDE AS MUSAS AINDA DANÇAM

(http://www.gazetadopovo.com.br/haus/estilo-cultura/onde-as-musas-ainda-dancam/)

Fachada com seis colunas e despojamento da ordem dórica imita os antigos templos grego. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo.

Grandes capitais brasileiras torciam o nariz para o simbolismo no final do século 19. O Rio de Janeiro, por exemplo, não estava mais interessado em cantar versos sobre morte, transcendência e misticismo. Preferia o realismo e uma linguagem sem tanto rebuscamento. Mas não Curitiba. Por aqui, como na Bahia e no Rio Grande do Sul, o movimento se proliferou. Diversas publicações foram feitas e a cidade foi considerada uma capital do simbolismo brasileiro. E, meio que naturalmente, os temas gregos cantados pelos simbolistas foram incorporados também às construções daquele período.
Foi uma overdose do arsenal mitológico grego: colunas, frontões triangulares, cisnes, lírios, faunos e muito do branco. Os edifícios da época estão aí para quem duvida: a Praça Miguel Couto, popularmente conhecida como Pracinha do Batel, o prédio histórico da Universidade Federal do Paraná e o portal do Passeio Público. Mas nenhum é mais ostensivo em seu simbolismo que o Templo das Musas.
Asas de águia no frontão: símbolo dos mensageiros dos deuses greco-romanos. Foto: Marcelo Elias/Arquivo Gazeta do Povo

Ao largo das principais atrações da cidade, o templo resiste há 97 anos sem alarde na Vila Izabel. Construtivamente, obedece aos padrões da época: alvenaria e cobertura de telhas cerâmicas. Já a fachada reproduz um templo de seis colunas com características dóricas e um frontão com uma águia. Ocupa uma quadra inteira entre as silenciosas ruas Bororós e Parintins, com quase 20 mil metros quadrados de área total, preenchidos quase que completamente por vegetação nativa. “Essa quadra é o pulmão da Vila Izabel”, brinca o historiador Sergio Odilon Nadalin, professor de imigração alemã na Universidade Federal do Paraná (UFPR), que mora na região há algumas décadas.
De acordo com Temístocles Linhares, uma das mais importantes vozes da crítica literária do Paraná, falecido em 1993, o simbolismo combinou tanto com o clima da cidade quanto com a psicologia dos curitibanos. O poeta, tradutor e professor do Centro Universitário Uninter Ivan Justen Santana explica: “o simbolismo é uma escola literária e artística que preza o sonho, o nebuloso, as inter-relações profundas entre artes, entre palavras, notas musicais, cores, formas e aromas. Por meio do simbolismo, é possível expressar sentimentos sem ser explícito. Curitiba é uma cidade adequada ao mistério”.
Tesouro bibliográfico
Levantado em 1918, o templo é o centro de estudos e confraternização do Instituto Neo-Pitagórico, uma espécie de confraria que se dedica ao desenvolvimento do ser humano por meio do estudo e da meditação, com base nos versos de ouro de Pitágoras para cultura, verdade, justiça, liberdade, paz, fraternidade e harmonia, como consta em seu próprio estatuto. Antes disso, a área do templo era apenas a chácara de seu fundador, o carioca de São Cristóvão, poeta e professor de história do Ginásio Paranaense, Dario Vellozo. Junto de Júlio Perneta, Silveira Neto e Antonio Braga, Vellozo formou o grupo “O Cenáculo”, que editou uma revista simbolista de mesmo nome entre 1895 e 1897.
Sempre no primeiro domingo de cada mês, ocorrem encontros públicos que seguem a tradição. No século passado, como descreve a escritora Alice Ruiz no livro Brasil Imperdível, os participantes das reuniões trajavam túnicas gregas, usavam codinomes e se reuniam para trocar ideias e fazer leituras. Com o passar dos anos, o instituto reuniu uma biblioteca de cair o queixo. Entre as raridades, constava até um exemplar original da enciclopédia de Diderot e d’Alembert, datada de 1750. Mas, infelizmente, um incêndio ocasionado por um curto circuito em uma madrugada de agosto de 1987 consumiu quase tudo. Por meio de doações anônimas, o restauro do templo foi possível e hoje ele continua a instigar a imaginação de quem passa pela região.
Homenagem formal à declamadora Ângela Vargas em 1925. Foto: Arthur Wischral/Casa da Memória.

Estudantes e associados reunidos na Festa da Primavera de 1928. Foto: Dario Vellozo/Casa da Memória


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