sábado, 13 de dezembro de 2025

NUNCA SE SOUBE TANTO... E NUNCA SE PENSOU TÃO POUCO

 


Nunca se soube tanto… e nunca se pensou tão pouco

Por Diego de Almeida

Vivemos em uma época curiosa. Talvez única na história humana. Nunca tivemos tanto acesso à informação e, paradoxalmente, nunca convivemos com uma massa tão expressiva de pessoas mal informadas, intelectualmente frágeis e orgulhosamente desinteressadas em aprender. A promessa era de iluminação coletiva; o resultado tem sido, em muitos aspectos, uma sofisticada forma de obscurantismo digital.

Entrementes, tornou-se necessário fazer uma distinção conceitual que raramente é respeitada no debate cotidiano: desconhecimento, ignorância e desinformação não são sinônimos — e confundi-los é parte do problema.

O desconhecimento é a condição mais honesta do ser humano. É simplesmente não saber. Ninguém nasce sabendo, ninguém domina todos os assuntos e todos nós transitamos, diariamente, por zonas inteiras do mundo que desconhecemos. O desconhecimento é fértil, pois dele nasce a curiosidade, o estudo, o aprimoramento. Dizer “não sei” sempre foi, e continuará sendo, um gesto de inteligência.

A ignorância, por sua vez, já é outra coisa. Não se trata apenas de não saber, mas de não querer saber. É a recusa deliberada do conhecimento disponível, o desdém pela leitura, pela escuta atenta, pela reflexão. A ignorância, diferente do desconhecimento, é frequentemente acompanhada de opinião forte, convicção ruidosa e uma desconcertante sensação de autossuficiência. É o sujeito que não estuda, não lê, não se aprofunda — mas fala com a segurança de quem acredita dominar o assunto.

Mais grave ainda é a desinformação. Aqui não estamos diante do vazio, mas do erro. O desinformado possui conteúdo, mas um conteúdo distorcido, falso ou manipulado. Ele acredita saber. E exatamente por isso se torna resistente à correção. A desinformação cria um fenômeno perverso: a ignorância convicta, aquela que se defende com agressividade e que transforma qualquer tentativa de esclarecimento em ataque pessoal.

O que torna tudo isso ainda mais inquietante é o cenário atual. Vivemos na era dos buscadores, das bibliotecas digitais, dos cursos gratuitos, das universidades abertas, dos livros acessíveis em segundos. Nunca foi tão fácil aprender. Ainda assim, nunca foi tão comum optar por não fazê-lo. A preguiça intelectual tornou-se aceitável, quase um traço cultural. Estudar passou a ser visto como esforço excessivo; pensar, como perda de tempo.

E nesse ambiente distorcido, os valores também se inverteram.

Hoje, vemos profissionais altamente gabaritados (médicos, professores, engenheiros, pesquisadores, cientistas) dedicando décadas ao estudo, acumulando títulos, responsabilidades e uma carga ética imensa, muitas vezes recebendo remunerações modestas e reconhecimento limitado. Ao mesmo tempo, assistimos a influencers digitais, rappers, celebridades instantâneas, frequentemente incapazes de concluir o ensino básico, acumularem milhões, influência e prestígio social, muitas vezes sem qualquer contribuição intelectual, cultural ou social proporcional.

Não se trata aqui de demonizar o sucesso financeiro ou artístico. Trata-se de refletir sobre o que estamos premiando como sociedade. Quando o ruído vale mais do que o conteúdo, quando a visibilidade vale mais do que o conhecimento, quando a opinião sem fundamento vale mais do que o estudo silencioso, algo está profundamente desalinhado.

Talvez o problema não seja apenas a ignorância, mas a sua celebração. Vivemos um tempo em que não saber não é mais vergonha - vergonha é parecer “complicado”, “intelectual”, “profundo demais”. O superficial tornou-se regra; o imediato, virtude.

E assim seguimos, cercados de informação, mas pobres de sabedoria. Capazes de acessar qualquer dado, mas incapazes de sustentar um raciocínio. Falando muito, ouvindo pouco. Opinando sobre tudo, compreendendo quase nada.

Talvez seja hora de resgatar um valor antigo e hoje quase subversivo: o compromisso com o melhoramento intelectual. Ler mais, estudar mais, ouvir mais, falar menos. Reconhecer o desconhecimento, combater a ignorância e desconfiar daquilo que parece informação fácil demais.

Porque, no fim, não é a falta de acesso que nos empobrece.
É a falta de vontade.

Abraços Fraternos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

ENTRE OSSOS, SILÊNCIOS E REFLEXÕES...

 

foto Eduardo Ramos

Entre Ossos, Silêncios e Reflexões…

Por Diego de Almeida

Há alguns dias, o Irmão Eduardo Ramos, valoroso membro de nossa Loja Gênesis, enviou-me um conjunto de fotografias tiradas durante sua visita à célebre Capela dos Ossos, em Évora, Portugal. As imagens, confesso, chegaram a mim como se fossem fragmentos de um antigo sermão feito não com palavras, mas com poeira, argamassa e ossos humanos. E, entrementes, percebi que elas carregavam a mesma tonalidade moral e espiritual que tantas vezes buscamos dentro de nossos próprios Templos.

A Capela, construída pelos frades franciscanos nos séculos XVI e XVII, é uma das mais contundentes mensagens visuais da cristandade ocidental. Ali, mais de cinco mil esqueletos, homens, mulheres, crianças, anônimos todos, revestem paredes e colunas, compondo uma espécie de liturgia silenciosa sobre a brevidade da vida. A famosa inscrição na entrada, “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”, não é uma ameaça, mas um convite. Convite à consciência, ao despojamento, àquilo que os antigos chamavam de memento mori: lembra-te de que és mortal.

foto Eduardo Ramos

E ao contemplar as fotos enviadas pelo Irmão Eduardo, não pude deixar de lembrar da nossa própria Câmara de Reflexões, esse pequeno universo fechado onde o neófito se despede do mundo profano antes de nascer para uma nova jornada. Ali, cercado de símbolos de morte, silêncio e recolhimento, ele se vê diante das mesmas perguntas que a Capela dos Ossos grita em seu silêncio mineral:
O que tens feito da tua vida?
O que realmente importa?
O que ficará de ti quando o pó finalmente reclamar aquilo que lhe pertence?
foto Eduardo Ramos

A morte, essa velha desconhecida que todos evitamos nomear, sempre teve, para os maçons e filósofos, um papel pedagógico. Não como tragédia iminente, mas como mestra de prioridades. Observando as imagens da Capela, com seus crânios organizados em padrões quase geométricos, compreende-se que aqueles frades não pretendiam assustar ninguém; queriam, sim, suspender o visitante por um breve instante diante da verdade que todos fingimos ignorar: somos pó em trânsito, e nossa arrogância cotidiana é apenas uma distração daquilo que mais importa.

Entrementes, ironicamente, é preciso ir a um lugar onde a morte se expõe para lembrar-se de viver.

E talvez seja esse o maior ensinamento para nós, homens e mulheres que diariamente lutam contra o tempo, as agendas, as preocupações, os projetos que acumulamos como se fôssemos durar para sempre. No fundo, sabemos que não duramos. Mas esquecemos. E por isso nos irritamos com pequenas contrariedades, nos consumimos com disputas inúteis, desperdiçamos horas inteiras sem perceber o milagre simples de estar vivo.

foto Eduardo Ramos
As fotografias do Irmão Eduardo, especialmente aquela em que uma múmia repousa sob um vidro transparente, preservada na fragilidade que já pertence ao outro lado da existência, parecem sussurrar uma advertência: a vida não espera. Não adia. Não negocia. Ela passa. E passa rápido.

E se somos, como ensina a Câmara de Reflexões, convidados a refletir sobre o que verdadeiramente importa, talvez seja hora de olhar para as pequenas grandezas do cotidiano: o abraço apertado dos filhos e netos, o pão quente ao amanhecer, a brisa silenciosa que entra pela janela, a alegria discreta do trabalho bem feito, o afeto sincero dos que caminham conosco. Nada disso estará disponível para sempre.

Assim, meu caro leitor, permito-me concluir com uma síntese simples, quase doméstica, mas profundamente verdadeira: a consciência da morte é a mais eficaz professora da vida. Não para gerar medo, mas para gerar foco. Não para nos entristecer, mas para nos despertar.

E, enquanto isso, seguimos.
Entre colunas de ossos, câmaras de reflexão e o dia a dia que se desenrola, quase sempre sem alarde, diante de nós.
Que possamos, enfim, aprender a viver antes que o silêncio nos alcance.

Abraços Fraternos.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O Tronco da Viúva e a Espiritualidade Maçônica

 


O Tronco da Viúva e a Espiritualidade Maçônica

Por Diego de Almeida

Entre os tantos símbolos que habitam o universo maçônico, há um que sempre me chama atenção pela simplicidade exterior e pela intensa profundidade interior: o Tronco da Viúva. Ele passa discretamente pelas mãos dos irmãos durante a sessão quase sempre acompanhado de silêncio, às vezes de uma prece íntima e retorna ao seu lugar como se nada tivesse acontecido. Mas algo sempre acontece. Algo se move na alma de quem contribui e também na de quem recebe.

À primeira vista, o Tronco da Viúva parece apenas uma coleta. Mas quem vive a Maçonaria de dentro sabe que ele é um pequeno ritual de transformação. O gesto de depositar ali o óbolo voluntário é um lembrete suave de que ninguém trilha o caminho sozinho. As Lojas tradicionais costumam dizer que somos todos “filhos da Viúva”, e isso carrega um peso simbólico enorme: somos, todos nós, seres carentes de amparo, buscando luz, equilíbrio e sentido.

Historicamente, o Tronco tem raízes nas caixas de beneficência das confrarias francesas do século XVIII. A Maçonaria herdou essa prática e lhe acrescentou um tempero espiritual: a caridade silenciosa, sem exibição, sem holofotes, quase como uma respiração do espírito fraterno.

Muitas vezes pensamos na Viúva como a esposa daquele irmão que partiu, ou naquele órfão que ficou desassistido. Mas, em linguagem simbólica, a Viúva representa algo maior. É a humanidade desprotegida, é a fragilidade que mora dentro de cada um, é a consciência de que também somos, em algum nível, desamparados em busca de amparo.

Contribuir para o Tronco é reconhecer essa verdade universal: que a dor do outro pode ser a nossa amanhã, e que somente uma fraternidade viva é capaz de sustentar o edifício moral que desejamos construir. 

Talvez a mais bela referência ao Tronco esteja na passagem bíblica em que Jesus observa uma viúva depositando duas pequenas moedas na caixa do templo. Aquilo que ela deu era pouco, mas representava tudo o que tinha. O Mestre conclui que sua oferta valeu mais do que a de todos os ricos.

É exatamente esse ensinamento que ecoa no Tronco da Viúva: o valor não está na quantia, mas na intenção, no sacrifício e na pureza do coração. É um gesto que nos confronta com o ego e nos propõe um exercício de humildade. Ele nos lembra que, na espiritualidade, grandeza e simplicidade costumam caminhar juntas.

A Maçonaria nos educa pelos símbolos, pelos ritos e também pelas pequenas atitudes. Ao depositar o óbolo no Tronco da Viúva, o maçom treina a empatia, a humildade, o desapego, o silêncio interior e a capacidade de agir sem esperar reconhecimento.

Um maçom jamais deve colocar sua mão vazia dentro da Bolsa! Que coloque uma moedinha, ao menos; mas que coloque! O maçom que não contribui com o Tronco da Viúva, não aprendeu o sentido da fraternidade real e da construção social. Mas não deve doar o que está sobrando, e sim, o que suas forças permitirem, sem prejudicar o sustendo de si próprio e de sua família. 

É uma ação aparentemente modesta, mas que modifica a arquitetura interior do iniciado. O Tronco é uma espécie de espelho moral: o que colocamos nele volta para nós em forma de crescimento, consciência e fraternidade.

Há quem diga que, quando o Tronco circula, não é apenas dinheiro que passa de mão em mão, mas luz. Luz que nasce da intenção sincera de ajudar. Luz que se soma à energia do templo. Luz que reforça a egrégora da Loja e a transforma em um espaço cada vez mais humano, mais acolhedor e mais verdadeiro.

Esse entendimento faz com que muitos irmãos vejam o Tronco como um pequeno sacramento laico, um ritual simples que conecta o material ao espiritual. Quem contribui com o coração sente, no fundo, que o gesto repercute além das paredes do templo.

No fim, o Tronco da Viúva é um lembrete de que a espiritualidade maçônica não é feita apenas de estudos profundos, de símbolos complexos ou de narrativas antigas. Ela se revela principalmente nos gestos concretos, nos cuidados discretos, na ajuda que chega sem alarde.

A caridade, quando nasce do coração e não da vaidade, é uma forma elevada de espiritualidade. E o Tronco da Viúva é um dos espaços onde essa espiritualidade ganha corpo, propósito e destino. Assim, uma Loja deve destinar o seu Tronco ao benefício dos necessitados, sejam eles Irmãos em dificuldade momentânea, familiares desassistidos ou os desvalidos da sociedade, como os residentes de asilos, orfanatos e casas de acolhimentos.

É na circulação do Tronco que aprendemos que a doação não empobrece, mas enriquece; não reduz, mas expande; não pesa, mas eleva. É ali que percebemos que o verdadeiro iniciado não é o que acumula, mas o que compartilha.

E, ao final de cada sessão, quando o Tronco volta ao seu lugar, algo dentro de nós também encontra repouso. Porque, de alguma forma, ajudamos a sustentar a Viúva e ela, simbolicamente, também nos sustentou.