quinta-feira, 12 de junho de 2025

A Participação Feminina como Algo Consolidado, Porém Ainda Pouco Conhecido e Visto com Preconceito

 

A Participação Feminina como Algo Consolidado, Porém Ainda Pouco Conhecido e Visto com Preconceito 

Por Diego de Almeida (do livro "Instruções para o Grau de Aprendiz Maçom")

A participação feminina na Maçonaria, embora uma realidade sólida e crescente em diversas partes do mundo e em muitas Obediências, ainda é largamente desconhecida pelo público em geral e, lamentavelmente, é frequentemente vista com preconceito e mal-entendidos. Para muitos, a imagem da Maçonaria permanece ligada a um universo exclusivamente masculino, um clube secreto de homens, e a ideia de mulheres maçons pode soar como uma contradição ou uma novidade estranha. Essa falta de conhecimento e o preconceito derivam de várias fontes: 

1. Hegemonia Histórica e Midiática da Maçonaria Masculina: A Maçonaria masculina, sendo a forma mais antiga e numericamente dominante, recebeu historicamente a maior atenção e cobertura midiática. Filmes, livros e a própria cultura popular perpetuaram a imagem de uma Ordem exclusiva para homens, o que naturalizou essa percepção no imaginário coletivo. As Obediências mistas e femininas, embora com mais de um século de existência em alguns casos, são menos visíveis. 

2. A Doutrina dos “Landmarks Imutáveis” por Parte da Maçonaria Regular Masculina: A Grande Loja Unida da Inglaterra (UGLE) e as Obediências a ela ligadas, que constituem a corrente mais numerosa e amplamente reconhecida da Maçonaria Regular, mantêm a exclusividade masculina como um “landmark” essencial. Essa posição, embora legítima dentro de sua interpretação, contribui para a ideia de que a Maçonaria “verdadeira” não pode ter mulheres, marginalizando as outras correntes. Isso gera confusão e descrédito sobre a regularidade e a autenticidade das Lojas que admitem mulheres. 

3. Desconhecimento da Pluralidade Maçônica: O público em geral, e mesmo muitos Irmãos da Maçonaria masculina regular, desconhecem a vasta pluralidade de Obediências maçônicas que existem. A ideia de que há uma única Maçonaria monolítica e que todas as Lojas devem seguir os mesmos preceitos é um equívoco. A Maçonaria Liberal e Adogmática, que inclui a maioria das Obediências mistas e femininas, opera sob princípios diferentes de reconhecimento, priorizando a liberdade de consciência e a igualdade. 

4. Preconceito Social e Machismo Estrutural: Lamentavelmente, parte do preconceito em relação à Maçonaria feminina e mista reflete um machismo estrutural persistente em muitas sociedades. A ideia de mulheres ocupando posições de liderança em uma organização tradicionalmente masculina ou praticando rituais “secretos” pode gerar resistência e desconfiança, alimentada por visões conservadoras de gênero. 

5. A Própria Discrição Maçônica: A natureza discreta da Maçonaria, que preza o silêncio e o trabalho interno, contribui para que as atividades e a existência das Lojas femininas e mistas não sejam amplamente divulgadas. Embora não sejam secretas no sentido popular, a discrição natural da Ordem impede uma publicidade que poderia ajudar a desmistificar a questão. 

No entanto, é crucial reiterar que a participação feminina na Maçonaria é, sim, algo consolidado. Milhares de mulheres em todo o mundo são Maçons ativas, trabalhando nos graus simbólicos e filosóficos, dedicando-se ao aprimoramento pessoal, à prática da caridade e à construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Elas mantêm Lojas, templos, realizam rituais, estudam filosofia e história maçônica, e contribuem significativamente para a Ordem e para a sociedade. 

A importância da mulher para a Maçonaria, e por extensão para a sociedade, é imensa. Elas trazem uma perspectiva única e complementar para o trabalho iniciático. A sensibilidade feminina, a capacidade de nutrir, a força na adversidade, a visão intuitiva e a resiliência são qualidades que enriquecem o ambiente maçônico e a egrégora da Loja. Ao integrar a mulher, a Maçonaria se torna mais completa, mais universal e, paradoxalmente, mais fiel à sua própria aspiração de refletir a totalidade da humanidade e de buscar a Verdade em todas as suas manifestações. 

O caminho para a plena aceitação e reconhecimento da Maçonaria feminina e mista ainda é longo, exigindo persistência na educação e no diálogo. Mas a realidade é que as mulheres estão nas colunas, trabalhando a Pedra Bruta com a mesma dedicação e paixão que os homens, provando que a luz iniciática não distingue gênero.

A Mulher como Símbolo na Tradição Maçônica: O Feminino que Habita o Imaginário Iniciático


 

A Mulher como Símbolo na Tradição Maçônica: O Feminino que Habita o Imaginário Iniciático

Por Diego de Almeida (do livro "Instruções para o Grau de Aprendiz Maçom")

É uma fascinante ironia que, embora historicamente excluída dos trabalhos físicos da Maçonaria dita “regular”, a mulher esteja profundamente presente no universo simbólico da Arte Real. Sua figura permeia mitos, alegorias e virtudes essenciais à senda iniciática, revelando que o princípio feminino sempre habitou o coração do templo simbólico, mesmo quando ausente sob suas colunas visíveis.

No plano arquetípico, a Verdade — meta última do Maçom — é tradicionalmente representada como uma mulher, por vezes velada, por vezes desnuda, revelando-se apenas àqueles que buscam com pureza de intenção. Tal imagem remete à ideia da verdade como essência delicada, difícil de ser plenamente desvelada, exigindo coragem, disciplina e iluminação interior.

A Sabedoria, por sua vez, guardiã da coluna Jônica, do Venerável Mestre, também assume traços femininos. A presença de Atena, a deusa grega da razão e da estratégia, ou da Sophia gnóstica, que ilumina o entendimento profundo do cosmos, remete ao feminino como fonte do discernimento necessário à construção moral do templo interior. Da mesma forma, a Justiça – com sua balança, espada e olhos vendados – personifica o equilíbrio, a equidade e a retidão, virtudes indispensáveis ao verdadeiro iniciado.

No mito de Hiram Abiff, é a figura da viúva, e por extensão, a mãe simbólica do Mestre, que evoca a ideia de origem e regeneração. O título de “filho da viúva” não é mero epíteto, mas uma afirmação da ligação do Maçom com a matriz primordial da criação e com o eterno feminino que sustenta e nutre a vida. A viúva representa a dor da perda e, ao mesmo tempo, a esperança de renascimento — um dos mais profundos ensinamentos da iniciação.

Essas imagens e arquétipos revelam que o feminino não é apenas tolerado ou esteticamente inserido na simbólica maçônica — ele é estrutural, fundador, essencial. É a matriz invisível que inspira o caminhar iniciático, a presença que oferece intuição, empatia, compaixão, equilíbrio e visão espiritual.

Nesse contexto simbólico, ganha destaque também a figura de Marianne, representação da Liberdade na iconografia francesa e ocidental. De rosto erguido, cabelos ao vento e, muitas vezes, com o barrete frígio sobre a cabeça, ela incorpora os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade — valores estes que também iluminam o caminho maçônico. Marianne, como símbolo da república e da emancipação dos povos, surge como expressão do feminino libertador, que quebra as amarras da ignorância e acende a tocha do conhecimento. 

Em um plano simbólico, ela é a guardiã da liberdade interior, a companheira invisível do Maçom em sua luta contra a tirania da matéria e do ego.

Portanto, o feminino na Maçonaria não é um corpo a ser incluído; é um princípio a ser reconhecido. Ele habita a alma dos ritos, os mitos de regeneração, os atributos das virtudes e o horizonte da perfeição moral. Ao reconhecer essa presença sagrada, não apenas se honra a Tradição — transcende-se o véu da exclusão e integra-se plenamente o humano em sua totalidade.


sábado, 7 de junho de 2025

Festas Juninas, Solstício e Maçonaria: Um Encontro de Tradições Ancestrais

Por Diego de Almeida

Festas Juninas, Solstício e Maçonaria: Um Encontro de Tradições Ancestrais

As festas juninas, celebradas principalmente no mês de junho, têm raízes profundas que atravessam as fronteiras do tempo, misturando tradições pagãs, adaptações cristãs e simbolismos esotéricos presentes na Maçonaria. Em meio à dança das fogueiras, aos cânticos populares e à celebração dos santos católicos, encontram-se marcas de um passado mais remoto, vinculado aos ciclos da natureza e aos rituais solares que marcaram diversas civilizações antigas.

O Solstício de Verão e as Tradições Pagãs

O dia 24 de junho, quando se celebra São João Batista, coincide com o período do solstício de verão no hemisfério norte — o dia mais longo do ano, em que o Sol atinge o ponto mais alto no céu. Entre os povos antigos, esse fenômeno astronômico era celebrado com rituais que homenageavam o astro-rei, invocando fertilidade, prosperidade e a renovação da vida. Celtas, escandinavos, romanos e muitos outros acendiam fogueiras em colinas, dançavam em volta do fogo e realizavam cerimônias que marcavam a união entre o humano e o cósmico. Era, sobretudo, uma festa da luz, do calor e da abundância.

A Adaptação pela Igreja Católica

Com a cristianização da Europa, a Igreja Católica, em seu processo de conversão dos povos pagãos, incorporou muitos desses rituais às suas festas litúrgicas. Assim, o solstício de verão foi cristianizado como a Natividade de São João Batista. Curiosamente, João Batista é um dos únicos santos cujo nascimento é celebrado — e não a morte —, marcando sua importância singular dentro do calendário cristão. De acordo com o Evangelho de Lucas (Lc 1:36), João teria nascido seis meses antes de Jesus, o que justifica sua festa no fim de junho, enquanto o nascimento de Cristo é comemorado no solstício de inverno (Natal, em 25 de dezembro).

As fogueiras das festas de São João, portanto, mantêm viva essa tradição ancestral. Segundo a tradição cristã, Isabel, mãe de João Batista, teria acendido uma fogueira para anunciar o nascimento de seu filho à prima Maria, mãe de Jesus. Mas, sob essa versão piedosa, esconde-se uma continuidade simbólica com os cultos solares pré-cristãos.

A Maçonaria e os Santos João

A Maçonaria, como organização iniciática e simbólica, reconhece dois patronos principais: São João Batista e São João Evangelista. Ambos são celebrados em datas solsticiais: João Batista no solstício de verão (24 de junho) e João Evangelista no solstício de inverno (27 de dezembro), marcando assim os extremos do ciclo solar anual.

Essa dupla patronagem não é casual. São João Batista, o precursor, representa a luz crescente, o início da jornada, a iniciação, a purificação pela água. Ele prega no deserto, prepara o caminho, batiza. Sua figura corresponde ao nascimento simbólico do iniciado. Já São João Evangelista, o apóstolo da luz interior, da revelação espiritual, representa a plenitude, a maturidade da jornada iniciática, a iluminação pela gnose.

As Lojas Maçônicas tradicionalmente celebram o "Solstício de São João", em junho, como uma ocasião de fraternidade, renovação moral e espiritual. Essa celebração não é apenas uma homenagem religiosa, mas um rito simbólico que remonta às antigas tradições solares e à sabedoria dos mistérios antigos. Na simbologia maçônica, o Sol representa a luz do conhecimento, da verdade e da razão — valores centrais da Ordem.

Convergência de Tradições

Assim, as festas juninas brasileiras — com seus elementos de religiosidade popular, suas danças circulares, o fogo, a colheita e a comunhão — trazem em si a herança de três grandes tradições: a pagã, com sua reverência aos ciclos naturais; a cristã, com sua ressignificação dos símbolos solares sob a égide de santos; e a maçônica, que resgata esse simbolismo em um plano filosófico e iniciático.

O "maçonismo" não rejeita o legado das tradições religiosas e culturais, mas antes as compreende à luz da razão e do simbolismo. Nesse sentido, a festa de São João transcende seu caráter popular ou litúrgico e se torna uma ponte entre o passado ancestral da humanidade e o seu ideal de aperfeiçoamento contínuo.

Para os maçons, para os religiosos ou para os amantes da cultura, São João continua sendo uma figura de transição e revelação — um elo entre a tradição e a transformação. E a festa junina, no fundo, é um convite para reacender a luz dentro de nós.


Referências:

  • Eliade, Mircea. O Sagrado e o Profano. Martins Fontes, 1992.

  • Frazer, James. A Ramo de Ouro. Zahar, 2002.

  • Pike, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. 1871.

  • Bachelard, Gaston. A Psicanálise do Fogo. Martins Fontes, 1990.

  • Bíblia Sagrada – Evangelho de Lucas, capítulo 1.

  • Pires, José Castellani. O Simbolismo de São João na Maçonaria. Editora A Trolha.