quarta-feira, 13 de abril de 2016

NEM CASA GRANDE E NEM SENZALA... MAIS RESPEITO, POR FAVOR!!!

Texto de Francinne Machado Ribeiro, médica do Rio de Janeiro, com a qual eu concordo plenamente, a respeito da Universitária da foto a seguir.
Para que todos possam meditar um pouco... principalmente os Militantes Marionetes.


Futura colega, sente-se aqui para eu te explicar algumas coisas. Senta porque tem textão.

Depois de 26 anos de formada, achei que conhecia um pouco o ser humano. Mas me surpreendi hoje ao ler a inacreditável reportagem sobre você. Vi, boquiaberta, você reclamar que sofre preconceitos por causa do seu lindo cabelo, enquanto segura esse cartaz patético.
Hoje você é só uma marionete boba aproveitando uma suposta chance de denunciar preconceitos.
Lembre-se que o Prouni não é favor algum. O mérito de ter estudado e obtido os pontos necessários para entrar numa escola de Medicina foi seu. E não deste ou aquele governo.
Bem como será seu o mérito por passar de ano ou o ônus da reprovação.
Daqui a pouco você se formará. E escolherá uma especialidade. Na hora que você estiver fazendo sua prova de residência, perceberá que a disputa não é racial. Nesta peneira cruel, a disputa é de competências. Se você souber tratar seu paciente, você entra. Até se sua cor for verde, como é a cor de quem passa o ano inteiro estudando sem ver a luz do sol. Comigo foi assim. Com você será também.
Durante a sua residência, sofrerá quando prescrever antibiótico que está em falta no seu hospital, ou se deparar com um mandado judicial para internar um cidadão sem indicação médica, enquanto seu paciente com câncer não consegue marcar uma tomografia.
Vai entender que a gritaria contra o Mais Médicos não se trata de corporativismo, mas de desespero. Desespero por saber que a presidente e seu ministro da saúde entregam à população médicos despreparados e desqualificados, quando deveriam zelar por sua saúde e bem estar.
Você vai dar muitos plantões, seja para cumprir carga horária, seja para pagar seu aluguel. E perceberá que, quando precisar trocar de plantão, a loirinha de olho azul talvez aceite te dar uma cobertura. Ou talvez não. E perceberá que o sim ou não nada tem a ver com a cor dela, mas com o fato de que naquela data ela talvez tenha que viajar 300km para dar plantão em outra cidade. Como eu, no começo da minha carreira.
Durante sua rotina hospitalar, finalmente entenderá que dentro de unidades fechadas, como CTI e centros cirúrgicos, cabelos são potenciais contaminantes, tanto quanto anéis, pulseiras e mangas compridas. Todos temos que prendê-los, sejam eles longos, curtos, crespos, lisos ou encacheados como os meus. Prevenção de infecção nosocomial não é preconceito. É higiene.
Após 12,24h de plantão, tudo com o que você sonhará será uma cama, que nem sempre será limpa, depois de um banho, que nem sempre será quente. Sabe por que? Porque seu governo corrupto superfaturou remédios, mas não pagou a lavanderia e a manutenção da caldeira. Quando você tombar no quarto de descanso do plantão, naquelas 2-3h de repouso, ficará muito feliz em se deitar ao lado de colegas negros, brancos, cafuzos, mamelucos, índios, aborígenes, católicos, judeus, coxinhas ou companheiros. O mesmo ocorre na hora de entubar um paciente e se revezar para massagear seu peito, na tentativa de salvar sua vida.
Sabe por que?
Porque aqui, no front, eu não tenho tempo nem posso me dar ao luxo de discutir credo, cor, opção política, time de futebol ou escola de samba preferida. Somos todos MÉDICOS.
Sim, com letra maiúscula. Com orgulho e suor. Com baixos salários mas muita dignidade. Na hora de salvar vidas, meu bem, você não vai se importar se quem está deitado na sua frente é um político corrupto, um estuprador cruel, um santo padre, um espancador de mulheres ou um cidadão comum. Ele é um paciente.
Com dor, sofrimento, culpas, medo de morrer.
E você será a pessoa que poderá ajudá-lo se simplesmente fizer o seu trabalho. Ou ficará, como agora, em cima de um banquinho fazendo proselitismo, enquanto a vida de um ser humano se esvai diante de você.
Reclamando da falta de recursos, salários baixos porque governos A, B ou C gerenciaram mal o dinheiro público ao longo de décadas.
Ao fim da jornada, minha futura colega, seremos todos iguais, negros e brancos, da "casa grande" ou da "senzala". O que importará, na verdade, bem lá no fundo, é seu trabalho bem feito.
E isso não tem nada a ver com a cor da pele ou com a condição social.
Tem a ver com nosso oficio. Esse belo ofício que resiste aos séculos e insiste em ajudar, a confortar e tratar pessoas.
Não tem a ver com seu ou o meu tipo de cabelo. E sim com misericórdia.
Vá por mim, desça do seu palanque e venha logo conhecer o meu mundo.

E que será, espero, o seu mundo em breve.

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