sexta-feira, 11 de abril de 2025

COM QUEM QUERO FICAR?




Tempos atrás, eu estava atendendo um casal de idosos, não lembro exatamente o contexto, mas ao explicar algo para a esposa acerca de seu problema, o marido interpelou: - Viu... é o que eu sempre falo! - É... Mas eu também avisei você de tal coisa! Responde a esposa de pronto. E ficaram por um momento, os dois neste jogo de agulhadas, sem raiva alguma, com meios sorrisos aos lábios...
Perguntei, então, a quanto tempo estavam juntos? 
- Quarenta e sete anos, Doutor, se aguentando!!! Responderam juntos e caíram na gargalhada.
Ali dava pra perceber que havia amor! Não o amor-paixão da juventude, mas um amor transformado em carinho, auto-conhecimento, companheirismo e cumplicidade... um amor talhado e desbastado ao longo dos anos, pelas dificuldades do dia-a-dia e pelas alegrias do convívio em família!
Casos assim, cada vez mais raros nos dias atuais, nos fazem pensar: que pessoa quererei ao meu lado? Com quem pretendo dividir os momentos de alegria e de tristeza?
As vezes é muito difícil de "escolher" alguém com quem dividir nossa vida; principalmente em um mundo onde cada vez mais o egocentrismo, a auto-satisfação imediata e a ambição pelo sucesso fácil tornam-se regras para as gerações mais novas e levam a interpretar as relações interpessoais como "algo que faz bem para mim", contrapondo o que seria o correto: "algo que faz bem para nós"!

Imagine a situação: você chega em casa depois de um dia exaustivo. O trânsito estava caótico, o trabalho foi estressante e tudo o que você deseja é um pouco de paz. E ali, naquela sala simples, naquela cozinha onde o café tem gosto de aconchego, está alguém que te conhece nos detalhes. Alguém que talvez não diga a coisa perfeita, mas oferece um sorriso sincero, um gesto de cuidado, um silêncio acolhedor.

É nesse cenário cotidiano que se constrói o verdadeiro valor do convívio. São nesses momentos de cansaço, nos desencontros da rotina, que pequenos gestos fazem toda a diferença: um elogio despretensioso, um bilhete na geladeira, um abraço fora de hora... São essas pequenas gentilezas, cultivadas como se regássemos um jardim, que fortalecem os laços e impedem que a distância emocional se instale mesmo quando se divide o mesmo teto.

A tolerância, aqui, não é aceitar tudo calado, mas compreender que o outro, com suas imperfeições e manias, também está lutando suas próprias batalhas. O respeito mútuo floresce quando entendemos que não estamos ali para “vencer” o outro, mas para caminhar juntos. E o amor, esse amor maduro, é como um rio que se molda ao terreno, contornando pedras, absorvendo as chuvas e seguindo firme em sua direção.

Em tempos onde tudo é descartável, inclusive relações, vale lembrar que vínculos duradouros não se constroem apenas com promessas ou afinidades momentâneas. Eles exigem trabalho, paciência, presença. Exigem, sobretudo, o compromisso com o bem-estar mútuo, com a construção de um “nós” que sobreviva aos ventos e às tempestades da vida.

E, no final das contas, é isso que todos buscamos: alguém com quem dividir não só a cama, mas os silêncios, as dores, os sonhos e as conquistas. Alguém que esteja ali, ao seu lado, rindo com você dos pequenos desentendimentos do dia, depois de quarenta e sete anos... se aguentando – e se amando.

Obs.: Eu comecei a escrever este texto em 17/12/2020... só terminei hoje. Infelizmente, a minha paciente faleceu ano passado. Mas a cumplicidade e o carinho entre o casal perdurou até seus últimos momentos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário