Texto de Francinne Machado
Ribeiro, médica do Rio de Janeiro, com a qual eu concordo plenamente, a
respeito da Universitária da foto a seguir.
Para que todos possam meditar um
pouco... principalmente os Militantes Marionetes.
Futura colega, sente-se aqui para
eu te explicar algumas coisas. Senta porque tem textão.
Depois de 26 anos de formada,
achei que conhecia um pouco o ser humano. Mas me surpreendi hoje ao ler a
inacreditável reportagem sobre você. Vi, boquiaberta, você reclamar que sofre preconceitos
por causa do seu lindo cabelo, enquanto segura esse cartaz patético.
Hoje você é só uma marionete boba
aproveitando uma suposta chance de denunciar preconceitos.
Lembre-se que o Prouni não é
favor algum. O mérito de ter estudado e obtido os pontos necessários para
entrar numa escola de Medicina foi seu. E não deste ou aquele governo.
Bem como será seu o mérito por
passar de ano ou o ônus da reprovação.
Daqui a pouco você se formará. E
escolherá uma especialidade. Na hora que você estiver fazendo sua prova de
residência, perceberá que a disputa não é racial. Nesta peneira cruel, a
disputa é de competências. Se você souber tratar seu paciente, você entra. Até
se sua cor for verde, como é a cor de quem passa o ano inteiro estudando sem
ver a luz do sol. Comigo foi assim. Com você será também.
Durante a sua residência, sofrerá
quando prescrever antibiótico que está em falta no seu hospital, ou se deparar
com um mandado judicial para internar um cidadão sem indicação médica, enquanto
seu paciente com câncer não consegue marcar uma tomografia.
Vai entender que a gritaria
contra o Mais Médicos não se trata de corporativismo, mas de desespero.
Desespero por saber que a presidente e seu ministro da saúde entregam à
população médicos despreparados e desqualificados, quando deveriam zelar por
sua saúde e bem estar.
Você vai dar muitos plantões,
seja para cumprir carga horária, seja para pagar seu aluguel. E perceberá que,
quando precisar trocar de plantão, a loirinha de olho azul talvez aceite te dar
uma cobertura. Ou talvez não. E perceberá que o sim ou não nada tem a ver com a
cor dela, mas com o fato de que naquela data ela talvez tenha que viajar 300km
para dar plantão em outra cidade. Como eu, no começo da minha carreira.
Durante sua rotina hospitalar, finalmente
entenderá que dentro de unidades fechadas, como CTI e centros cirúrgicos,
cabelos são potenciais contaminantes, tanto quanto anéis, pulseiras e mangas
compridas. Todos temos que prendê-los, sejam eles longos, curtos, crespos,
lisos ou encacheados como os meus. Prevenção de infecção nosocomial não é
preconceito. É higiene.
Após 12,24h de plantão, tudo com
o que você sonhará será uma cama, que nem sempre será limpa, depois de um
banho, que nem sempre será quente. Sabe por que? Porque seu governo corrupto
superfaturou remédios, mas não pagou a lavanderia e a manutenção da caldeira.
Quando você tombar no quarto de descanso do plantão, naquelas 2-3h de repouso,
ficará muito feliz em se deitar ao lado de colegas negros, brancos, cafuzos,
mamelucos, índios, aborígenes, católicos, judeus, coxinhas ou companheiros. O
mesmo ocorre na hora de entubar um paciente e se revezar para massagear seu
peito, na tentativa de salvar sua vida.
Sabe por que?
Porque aqui, no front, eu não
tenho tempo nem posso me dar ao luxo de discutir credo, cor, opção política,
time de futebol ou escola de samba preferida. Somos todos MÉDICOS.
Sim, com letra maiúscula. Com
orgulho e suor. Com baixos salários mas muita dignidade. Na hora de salvar
vidas, meu bem, você não vai se importar se quem está deitado na sua frente é
um político corrupto, um estuprador cruel, um santo padre, um espancador de
mulheres ou um cidadão comum. Ele é um paciente.
Com dor, sofrimento, culpas, medo
de morrer.
E você será a pessoa que poderá
ajudá-lo se simplesmente fizer o seu trabalho. Ou ficará, como agora, em cima
de um banquinho fazendo proselitismo, enquanto a vida de um ser humano se esvai
diante de você.
Reclamando da falta de recursos,
salários baixos porque governos A, B ou C gerenciaram mal o dinheiro público ao
longo de décadas.
Ao fim da jornada, minha futura
colega, seremos todos iguais, negros e brancos, da "casa grande" ou
da "senzala". O que importará, na verdade, bem lá no fundo, é seu
trabalho bem feito.
E isso não tem nada a ver com a
cor da pele ou com a condição social.
Tem a ver com nosso oficio. Esse
belo ofício que resiste aos séculos e insiste em ajudar, a confortar e tratar
pessoas.
Não tem a ver com seu ou o meu
tipo de cabelo. E sim com misericórdia.
Vá por mim, desça do seu palanque
e venha logo conhecer o meu mundo.
E que será, espero, o seu mundo
em breve.