Por KENNYO ISMAIL ⋅
28 DE NOVEMBRO DE 2011 ⋅
Infelizmente, história
contada é história modificada. Isso porque a história é contada pelos
sobreviventes e, via de regra, romanceada. E os maçons brasileiros, seres
humanos como quaisquer outros, não fizeram diferente. Mas o compromisso
maçônico da busca irrestrita e incessante da verdade faz com que alguns fatos,
geralmente “esquecidos”, devam ser divulgados para que, pelo menos na
Maçonaria, conheça-se a história real.
A história que quase
todos os historiadores maçons contam é sempre a mesma e é mais ou menos assim:
Em 1815, nove maçons fundaram Rio de Janeiro a Loja “Comércio e Artes”, a Loja
Primaz do Brasil. Então, depois de alguns anos, em 1822, a Loja já contava com
94 membros, então resolveram dividir a Loja em três e fundar o Grande Oriente
Brasileiro, primeira Obediência Maçônica no Brasil.
Na verdade, a Maçonaria
brasileira não nasceu no Rio de Janeiro e nem tampouco lá foi o berço da
primeira Obediência Maçônica. E, evidentemente, a Loja “Comércio e Artes” nunca
foi a “Loja Primaz” do Brasil. Na verdade não foi nem a décima, quanto mais a
primeira.
Apesar dos esforços de
muitos autores maçons em negar isso, o pioneirismo maçônico brasileiro nasceu
no Nordeste, mais precisamente na Bahia. A primeira cidade do Brasil também foi
berço da primeira Loja Maçônica: “Cavaleiros da Luz”, fundada em 1797. Nada
mais justo. Se quase tudo no Brasil começou lá, por que na Maçonaria seria
diferente? O historiador e maçom Borges de Barros, que foi diretor do Arquivo
Público da Bahia e relatou pela primeira vez a existência dessa Loja, ainda deu
conta de que a Loja “Cavaleiros da Luz” foi a chama principal da Conjuração
Baiana. Nada mal para os nossos pioneiros!
Mesmo com a dissolução
dessa primeira Loja, com o passar dos anos a Maçonaria foi se desenvolvendo no
fértil solo baiano: em 1802 surgiu a Loja “Virtude e Razão” que, depois de
breve tempo adormecida, foi reerguida com o nome “Virtude e Razão Restaurada”,
na mesma época em que, também de seu espólio, surgiu a Loja “Humanidade”. Ainda
no Nordeste, não demorou para que a luz maçônica iluminasse, por influência da
Bahia, o Estado de Pernambuco.
Sobre Pernambuco, é
necessário aqui um comentário à parte:
Apesar de muitos
escritores maçons assim desejarem, a “Areópago de Itambé” não era uma Loja
Maçônica. No século XVIII existiam centenas de instituições criadas aos moldes
da Maçonaria, usando símbolos iguais e similares, e até dividindo os graus em
Aprendiz, Companheiro e Mestre como na Maçonaria. Era uma verdadeira
“coqueluche” de Ordens, Clubes e Associações, e era muito comum os homens
livres serem membros de duas ou mais dessas diferentes instituições, até mesmo
no Brasil. Um exemplo disso é o “Apostolado”, da qual José Bonifácio, Gonçalves
Ledo e D. Pedro I também faziam parte. Ser inspirada na Maçonaria não é o mesmo
do que ser Loja Maçônica. (contributo nosso: Sobre o “Apostolado”, o Irmão
William Almeida de Carvalho escreve: ... a
17 de junho de 1822. Já existia uma instituição paramaçônica chamada Apostolado
da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, ou simplesmente Apostolado fundada
por José Bonifácio a 2 de junho de 1822. Era uma organização nos moldes da
Carbonária europeia cuja atuação Bonifácio bem conhecera, durante os anos em
que permanecera na Europa.)
Em 1809, atendendo às
inúmeras Lojas que já existiam, foi fundado em Salvador o “Governo Supremo” ou
simplesmente “Grande Oriente”, a PRIMEIRA Obediência Maçônica brasileira. Não
era um “Grande Oriente da Bahia”, como os poucos historiadores maçons que o
citam costumam se referir, pois era composto de, pelo menos, 09 Lojas: 03 na
Bahia, 04 em Pernambuco e 02 no Rio de Janeiro. Maçons portugueses e
brasileiros, muitos deles iniciados na França e Portugal, eram membros dessas
Lojas. Tudo isso 06 anos antes da fundação da “Comércio e Artes” e 13 anos
antes do GOB. Pernambuco, por contar com maior número de Lojas, ganhou em 1816
uma Grande Loja Provincial filiada ao “Governo Supremo”.
Interessante observar
que mais uma vez a Maçonaria se fez presente na história: um dos responsáveis
pela formação do Governo Supremo e tido como primeiro Grão-Mestre da Grande
Loja Provincial de Pernambuco, Antônio Carlos de Andrada, foi o líder da
Revolução Pernambucana, em 1817. Prova maior do papel decisório da Maçonaria no
movimento é a lei régia de 1818 proibindo sociedades secretas no Brasil.
Antes que alguém tente
justificar a constante omissão de tais fatos nas “versões oficiais” da
Maçonaria brasileira por conta dessas Lojas e Obediência não terem sido
regulares, é importante observar que a Loja “União”, fundada em 1800 no Rio de
Janeiro e sempre presente nas versões históricas, também era irregular. Somente
após a adesão de algumas autoridades públicas, ela foi “refundada”,
aparentemente de forma regular, e teve seu nome modificado para Loja “Reunião”.
Até mesmo a histórica Loja “Comércio e Artes” foi fundada sem Carta
Constitutiva em 1815 e trabalhou de forma irregular até 1818, quando foi
fechada. Somente quando de seu reerguimento, em 1821, a “Comércio e Artes” se
filiou ao Grande Oriente Lusitano.
Isso só nos mostra que
a história da Maçonaria no Brasil é, muitas vezes, contada conforme a
conveniência, omitindo os verdadeiros pioneiros em favor dos sobreviventes, ou
lembrando deles quando se quer apontar a Maçonaria como protagonista das
conjurações. Também é no mínimo intrigante como a Maçonaria esteve presente nos
movimentos revolucionários baiano e pernambucano, mas tantos historiadores
maçons e não-maçons fazem questão de negar sua participação na Inconfidência
Mineira. Mas isso é tema pra outra ocasião.
O importante é reforçar
que, antes de fundada uma Loja situacionista, a qual originou a Obediência que
promoveu a independência sob a manutenção do imperialismo no Brasil, houveram
várias outras Lojas e até Obediências oposicionistas, e muitos de seus membros
morreram ou sofreram duras penas defendendo os princípios maçônicos de
liberdade e democracia. E a Maçonaria brasileira de hoje tem o dever moral de
honrar essa história.
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