Diego de Almeida (Colombo-PR, março/2021)
Ao nos depararmos com o questionamento se tem sentido a maçonaria no Século XXI, talvez, a primeira resposta que nos chegaria à mente seria que não. Por que haveria sentido em se manter uma instituição com mais de 300 anos ainda ativa em plena era da tecnologia e da ciência?
De fato, estamos em uma época privilegiada, com avanços tecnológicos inimagináveis meio século atrás. Em todas as áreas, o ser humano evoluiu, quebrou fronteiras e avançou além do que ele próprio achava ser possível, uma ou duas gerações passadas. O conhecimento tornou-se acessível ao toque do dedo em uma pequena tela, em nossas próprias mãos. Nunca antes, a informação circulou de maneira tão rápida e eclética, atingindo os mais variados extratos sociais (e a desinformação, também!).
Entrementes, livre acesso ao conhecimento e à informação, não bastam! Ler compêndios de medicina não tornam o indivíduo um médico, bem como, estudar as leis, não o capacitam a ser advogado. A informação pura e o conhecimento livre, sem regras ou ordenação, são inócuos, senão até perigosos.
Em meados do Século XVII, as associações de construtores – primórdios da maçonaria que hoje conhecemos – eram grupos fechados, cujo acesso era reservado a membros. Porém, a ciência de talhar pedras e construir com elas, estava se tornando obsoleta e os “pedreiros / canteiros de ofício” quase não existiam. Seus filhos, herdeiros do conhecimento, davam continuidade a antigos usos e costumes relacionados com a profissão, transmitindo oralmente aos novos membros, corroborando para manter o que já fora um segredo, mas, depois, ficou com aura de mistério. Neste contexto, pensadores e filósofos, que necessitavam de um local seguro e discreto para suas discussões, passaram a ser aceitos como membros das lojas maçônicas operativas. A estes não interessava perturbar o que já existia, sendo que os antigos usos se mantiveram. Porém, ao introduzir o debate filosófico e científico, os novos membros levaram os antigos grêmios a um rumo totalmente distinto e, aos poucos, as ligações ao trabalho da pedra tornaram-se apenas referências simbólicas, e o plano das ideias tornou-se o real trabalho.
Logo, a maçonaria, para não deixar de existir, transmutou-se de operativa a especulativa. Não porque ela, a maçonaria, fosse uma entidade autonômica, extracorpórea e pensante e assim o desejasse, mas, porque os homens que a compunham, julgaram necessário e de tal modo agiram.
Mais de três séculos passados, a maçonaria encontra-se em nova encruzilhada: fechar-se em seus antigos usos e costumes, arriscando perder-se na noite do tempo e cair no completo ostracismo; ou abrir-se às novas tecnologias e correr risco de perder sua essência e características próprias?
Talvez a resposta não esteja nem em um lado, nem em outro...
O que faz a maçonaria ser o que é, justamente, é a luta incessante pela tolerância e a investigação da verdade. Desta forma, investigar a verdade é admitir que algo que nos é verídico hoje, possa ser incorreto, estando o indivíduo pronto para mudar a sua forma de pensar e aceitar o novo. A aceitação do que nos é estranho e diverso faz com que a maçonaria seja uma escola filosófica progressista, permitindo, se não exigindo, a mudança quando a mesma é requerida.
Estar presa a “regras pétreas e imutáveis” é um contrassenso absurdo quando pensamos em uma organização que promete tirar a venda da ignorância dos olhos dos meus membros, inundando-os com a luz do conhecimento e da verdade.
O mundo ainda é um lugar de ignorância e intolerância, seja política, religiosa, moral ou o que for. A maçonaria especulativa sempre lutou pela Igualdade, Liberdade e Fraternidade, espalhando as sementes da mudança e do melhoramento àqueles que foram e são inconformados com as injustiças e almejaram um futuro, ainda que utópico, em que todos pudessem ser como irmãos. Cada um dando seu contributo para a construção de uma sociedade justa e perfeita, baseada na tolerância e no respeito mútuo. Essa ideia é tão pertinente hoje como três séculos passados.
Da mesma forma, outros propósitos da maçonaria ainda são muito relevantes, principalmente em se tratando de tempos contemporâneos e de uma sociedade tecnológica. Avaliemos:
• Os padrões de moralidade exigidos de seus adeptos devem ser bastante elevados. Ao menos, deveriam ser. O lema “Tornar homens bons em homens melhores” é uma grande verdade e dever da Ordem. O cumprimento das leis dos países em que está implantada, bem como o dos deveres cívicos, familiares, laborais e religiosos, são algo que se espera e se exige de qualquer maçom.
• O amor fraternal é nutrido e estimulado entre os maçons. As sessões são semelhantes nas mais diversas partes do mundo, fazendo que o maçom transcenda barreiras sociais, econômicas, raciais, religiosas e políticas, comungando com as mais diversas pessoas que, de outro modo, jamais teria qualquer outra ligação, mas, que na maçonaria, passaram a ser irmãos.
• A Loja é um reflexo reduzido da sociedade, em toda sua diversidade e complexidade. Cada um dos membros é estimulado a desenvolver tarefas e funções, arcando com responsabilidades que, talvez, não fosse a maçonaria, não teria a oportunidade de vivenciar. Estas situações ajudam a construir e promover a autoconfiança e a desenvolver o raciocínio e o intelecto.
• “Todo bem que se guarda, é bem que se perde.” Assim, todo maçom é estimulado a praticar a caridade, individual ou coletivamente. A maçonaria procura, sim, desenvolver o indivíduo, moral e intelectualmente. Mas, de nada serviria isto, se o mesmo não viesse a ser agente de mudança social e amparo aos menos favorecidos.
• A Loja é um ambiente de tolerância, confiança e concórdia, onde os membros podem deixar as amarguras e dificuldades do mundo profano para fora dos umbrais do templo e recarregar suas energias na egrégora salutar que se forma durante a sessão. É local de paz e libertação, tão necessário, tão peculiar e tão difícil de encontrar em outro lugar.
De todo modo, a maçonaria congrega Homens livres e de bons costumes. O que é o Homem livre, senão aquele dotado de livre arbítrio, que pode ir e vir, e decidir qual caminho trilhar? Este indivíduo, homem ou mulher, novo ou velho, tem a possibilidade de colher aquela informação (aquela, tão fácil de acessar nos dias de hoje), que seria inútil ao tolo, e transformá-la em conhecimento útil, agente de mudança e melhoramento, para si próprio e para a sociedade em que vive. Então, se os indivíduos mudam, se a tecnologia se aprimora e se as sociedades se desenvolvem, a maçonaria também pode e deve se atualizar; sem perder a essência, sem deixar de ser maçonaria, mas, abrindo os braços às verdades que ela sempre prometeu investigar; ontem, hoje e sempre.